Trechos e comentários a partir do texto apresentado para a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) quando da proposição do NOVO ENEM pelo INEP/MEC. O texto integral encontra-se no portal do MEC e em :
Antes de detalhar alguns pontos do texto que considero fruto de algumas poucas cabeças, afirmo que a ideia de um exame nacional é, sem dúvida alguma, bastante interessante e defendo essa ideia. Contudo, diversas distorções no conteúdo e na forma tornam impossível não tecer diversas críticas. Infelizmente, tais críticas caem sempre no vácuo que existe entre a comunidade e o governo. A democracia é substituída pela decisão de alguns, no que julgam ser o melhor, baseados em suas decisões de gabinete. Cooptar os reitores da IES é coisa fácil de ser feita. Não tão fácil é convencer os estudantes e professores que dia após dia, ano após ano, trabalham em sala de aula o tema da seleção de candidatos às universidades. Esses últimos não são consultados. É uma pena. Temos muito a colaborar. Nem vou discutir aqui o tamanho da prova a ser realizada em tempo exíguo e o massacre psicológico de apostar todas as fichas em uma única prova.
Os trechos em vermelho foram extraídos do texto referido anteriormente. Vamos a ele.
“O reconhecimento, por parte da sociedade, de que os vestibulares são necessários, honestos, justos, imparciais e que diferenciam estudantes que apresentam conhecimentos, saberes, competências e habilidades consideradas importantes é a fonte de sua legitimidade”.
Os autores da proposta começam reconhecendo a legitimidade do vestibular tradicional. No entanto, em duas edições do NOVO ENEM, ainda não construíram uma legitimidade para a nova prova. Quando questionados, saem pela vertente demagógica da inclusão dos estudantes carentes no PROUNI, coisa que já existia (e muito bem, diga-se de passagem) antes do NOVO ENEM. Tenho vários ex-alunos que estão no curso superior graças ao PROUNI e eu não seria nem cego e nem louco de não aplaudi-lo e não reconhecer sua grande importância. O vazamento de provas no ENEM-2009, o vazamento do tema de redação no ENEM-2010 aliado aos problemas na impressão das provas e folhas de resposta de certo não contribuíram para a honestidade, justiça e imparcialidade da nova avaliação.
“O que se quer discutir são os potenciais ganhos de um processo unificado de seleção, e a possibilidade concreta de que essa nova prova única acene para a reestruturação de currículos no ensino médio.”
Aqui, os autores colocam claramente o desejo de reestruturação de currículos no ensino médio. O caminho não está um pouco, digamos, torto? Para reestruturar os currículos do ensino médio a via seria a proposição de novos parâmetros curriculares. Será que os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio - criados em 2000 - já estão tão defasados assim? Ou precisam ser esquecidos porque são oriundos de outro grupo político?
“Ainda que o vestibular tradicional cumpra satisfatoriamente o papel de selecionar os melhores candidatos para cada um dos cursos, dentre os inscritos, ele traz implícitos inconvenientes. Um deles é a descentralização dos processos seletivos, que, por um lado, limita o pleito e favorece candidatos com maior poder aquisitivo, capazes de diversificar suas opções na disputa por uma das vagas oferecidas. Por outro lado, restringe a capacidade de recrutamento pelas IFES, desfavorecendo aquelas localizadas em centros menores.”
Um ponto extremamente curioso do texto, muito mal pensado e mal elaborado (inclusive contrariando dados concretos, como veremos mais à frente). O texto trata como inconveniente o fato de candidatos com maior poder aquisitivo poderem viajar pelo país em busca de uma vaga e se esquece que, mesmo que viaje muito (e consiga ser aprovado), um candidato só absorve UMA vaga. Com o NOVO ENEM ele nem precisa viajar para absorver a MESMA VAGA. O poder aquisitivo se reflete na possibilidade dele se manter em outra cidade ou outro estado, até muito distante da sua cidade natal. Inclusive, vários casos foram divulgados no ano passado de candidatos que sequer podiam viajar para fazer matrícula em outro estado, que dirá para bancar sua estadia, alimentação... O sistema, na verdade, está facilitando a movimentação dos candidatos de maior poder aquisitivo em vez de combatê-la. Se ao menos os candidatos tivessem que disputar vagas dentro de suas regiões, ou com um sistema de cotas para os de outros estados, mas não é isso o que se propõe.
“Outra característica do vestibular tradicional, ainda que involuntária, é a maneira como ele acaba por orientar o currículo do ensino médio.”
Oras, mas não é isso que o NOVO ENEM também quer? O problema é que o programa do NOVO ENEM é menor do que o que é exposto nos PCNs. No caso da matemática, por exemplo, o NOVO ENEM não exige conhecimentos mais específicos como grande parte da trigonometria, números complexos, matrizes, determinantes, derivadas e limites. Tais conteúdos estão sendo abandonados no ensino médio. E depois? Como ficam os aprovados aos cursos de engenharia, arquitetura e ciência da computação, por exemplo? Como eles terão proficiência nas famigeradas disciplinas de Cálculo? A biologia também está abandonando, no ensino médio, temas como o estudo dos tecidos (histologia). A disciplina de histologia nos cursos superiores está se tornando o “bicho-papão” dos alunos. Em breve, os professores de literatura não indicarão mais obras para leitura (pelo menos não com a mesma intensidade e diversidade). Não acredito que o programa reduzido do NOVO ENEM, extremamente repetitivo em suas provas (basta contar o número de questões sobre aquecimento global), conduzirá a um desempenho melhor no ensino superior. Competências e habilidades são importantes, mas conteúdo também é. Precisamos parar com a ideia de que “tudo é raciocínio”. Existem muitos conteúdos que se aprende no esforço da repetição, do aprendizado de termos técnicos (que pode ser chamado de “decoreba”). Anatomia é um exemplo: não há muito o que se entender, mas há um mundo a se memorizar.
“Da mesma forma, a influência dos vestibulares tradicionais nos conteúdos ministrados no ensino médio também deve ser objeto de reflexão.”
Pois é. Então vamos refletir também sobre a influência do NOVO ENEM nos conteúdos ministrados no ensino médio, ok?
“Exames descentralizados favorecem aqueles estudantes com mais condições de se deslocar pelo país, a fim de diversificar as oportunidades de acesso às vagas em instituições federais nas diferentes regiões. A centralização do processo seletivo nas IFES pode torná-lo mais isonômico em relação ao mérito dos participantes.” “Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007 (Pnad/IBGE) mostram que, de todos os estudantes matriculados no primeiro ano do ensino superior, apenas 0,04% residem no estado onde estudam há menos de um ano. Isso significa que é muito baixa a mobilidade entre estudantes nas diferentes unidades da Federação. Ainda que o Brasil seja um país com altas taxas de migração interna, isso não se verifica na educação superior.”
Já discuti esse aspecto num comentário acima. O interessante aqui é a contradição: ao mesmo tempo que os autores advogam contrariamente à migração de alunos de alto poder aquisitivo (parece que eles estão até ocupando todas as vagas nas universidades), mostram o resultado da pesquisa do Pnad que indica que tal migração corresponde a 0,04%. Aliás, vamos melhorar o ensino médio público. Vamos investir seriamente na formação de professores e remuneração dos mesmos. Se não der certo, aí podemos nos dedicar a essas elucubrações.
“A nova prova do Enem traria a possibilidade concreta do estabelecimento de uma relação positiva entre o ensino médio e o ensino superior, por meio de um debate focado nas diretrizes da prova. Nesse contexto, a proposta do Ministério da Educação é um chamamento. Um chamamento às IFES para que assumam necessário papel, como entidades autônomas, de protagonistas no processo de repensar o ensino médio, discutindo a relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho acadêmico futuro, quanto para a formação humana.”
Debate focado nas diretrizes da prova? Onde aconteceu? Quando foi? Quando se deu esse chamamento? Ah, entendi. As IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) foram chamadas para repensar o ensino médio. Quem está trabalhando no ensino médio não foi. Muito lógico isso. Muito democrático. Acho que a tal “formação humana” passa pelo conceito de ouvir a todos os envolvidos. Qual a distância física (em metros) do prédio do MEC na esplanada dos ministérios até o Congresso Nacional? Será que estão faltando exemplos de democracia ali na região?
“Um exame nacional unificado, desenvolvido com base numa concepção de prova focada em habilidades e conteúdos mais relevantes, passaria a ser importante instrumento de política educacional, na medida em que sinalizaria concretamente para o ensino médio orientações curriculares expressas de modo claro, intencional e articulado para cada área de conhecimento.”
Novamente a questão: quem deve orientar o currículo do ensino médio são os PCN, que aliás, são muito claros, intencionais e articulados. Se é preciso mudar alguma coisa, que se mude neles. Não acho, por exemplo, que a inexistência da cobrança da leitura de umas duas ou três obras literárias esteja de acordo com uma boa orientação curricular.
“Assim, o novo exame seria composto por quatro testes, um por cada área do conhecimento, a saber: (i) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); (ii) Ciências Humanas e suas Tecnologias; (iii)
Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e (iv) Matemática e suas Tecnologias. Esta estrutura aproximaria o exame das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos currículos praticados nas escolas, mas sem abandonar o modelo de avaliação centrado nas competências e habilidades. Em relação ao conjunto de conteúdos, este seria construído em parceria com a comunidade acadêmica, neste caso específico, as IFES.”
Olha, lembraram dos PCN!!! Mas espera aí. É para aproximar dos currículos praticados nas escolas ou para propor mudanças nesses currículos? Esse texto é uma colcha de retalhos! E as IFES realmente ajudaram no estabelecimento dos conteúdos? A UFMG passou a integrar o NOVO ENEM em 2010, ela “palpitou” em alguma mudança dos conteúdos ou já “comprou” a ideia pronta (ou "recebeu" pela ideia pronta).
“Aliar a capacidade técnica do Inep, no que diz respeito à tecnologia educacional para desenvolvimento de exames, à excelência acadêmico-científica das IFES, é de suma importância nesse momento. Trata-se não apenas de agregar funcionalidade a um exame que já se consolidou no País, mas da oportunidade histórica para exercer um protagonismo na busca pela re-significação do ensino médio.”
Autointitular-se “detentor de capacidade técnica” é o que eu chamo de auto-melhoria. A tecnologia educacional abrange níveis muito diversos. Sequer estão conseguindo explicar à comunidade como funciona o TRI. Sequer conseguem montar uma prova sem defeitos. Pensaram uma prova enorme, com um número de candidatos enorme e não conseguem gerenciar adequadamente o sistema. Isso, para mim, não é capacidade técnica. Quanto a dizer que o exame já se consolidou, estão misturando alhos com bugalhos. O NOVO ENEM é diferente do ANTIGO ENEM, que atingia um público bem menor e cuja principal vantagem era o acesso ao PROUNI. O ANTIGO ENEM estava consolidado. Quanto à re-significação do ensino médio, insisto: o caminho não é esse. Modifiquem e aprimorem os PCN.
Exames são instrumentos de medida e não os iniciadores de processos de mudança.
Exames são fins e não meios.
Ramon Lamar de Oliveira Junior
PS.: O presidente do INEP acaba de cair (pediu para sair, dizem). Credibilidade e legitimidade de um sistema não se constroem dessa forma.
Ramon,
ResponderExcluirOntem minha casa estava parecendo uma lan house.
Estavam aqui, uma sobrinha, 3 amigos de colégio do meu filho e meu filho Henrique que também concorre a uma vaga no SISU, enquanto aguarda a 2 etapa da UFMG. Ruanny, que esta aqui de férias e se prepara para o mestrado na UFLA ( o tempo passa...) também ficou o dia inteiro ajudando os meninos. Se antes, eles tinham alguma dúvida quanto ao curso que escolheram... agora, eles estão optando pelo curso que eles têm melhores chances de passar no SISU.
Minha preocupação: Quais profissionais teremos no futuro?
Um propenso engenheiro, que fez psicologia;
uma propensa farmaceutica, que fez educação física; um propenso médico, que fez química.
Não desmerecendo nenhuma profissão, mas os jovens não estão preparados para "perder" se tiverem chances de ganhar hoje, eles optaram por outros caminhos...e desistirão de lutar, no início do sonho.
Abraços, Alessandra
Ramon,
ResponderExcluirEu também não sou contrário a uma prova nacional. Sou contrário ao modelo do atual ENEM.
Uma prova extremamente longa, onde o candidato mais resistente física e psicologicamente pode superar até o mais bem preparado intelectualmente.
Não se mede intelecto, e sim resistência.
O segundo ponto e também muito grave é a ilusão da inclusão. Os piores resultados infelizmente ainda são das escolas públicas. O ENEM não vai incluir esses alunos. Eles não tem a terça parte da estrutura física, acadêmica e didática dos alunos das escolas privadas. É uma farça.
O terceiro ponto, é gritante: O MEC e as IFES com certa frequência alteram seus processos seletivos e muito pouco ou praticamente nada alteram os seus quadros de vagas. Faltam vagas na educação superior pública.
Além dos problemas de logística da prova já relatados que originaram em vazamentos tanto em 2009 quanto em 2010, problemas de impressão, site do SISU que não funciona, questões sem nexo algum com o conteúdo do ensino médio........
Um modelo empurrado de um dia para o outro, sem um planejamento técnico e um estudo em conjunto com as universidades e os profissionais da educação básica me transmite a impressão de demagogia e oportunismo eleitoreiro.
Como estudante, me resta estudar mais, muito mais do que eu já fazia e acreditar em dias melhores, em provas que não vão vazar e testar minha resistência física, porque apesar dos pesares para os idealizadores disso tudo, o NOVO ENEM é apenas um sucesso...
RETIFICANDO " Não desmerecendo nenhuma profissão, mas os jovens não estão preparados para "perder" se tiverem chances de ganhar hoje, eles OPTARÃO por outros caminhos...e desistirão de lutar, no início do sonho
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