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domingo, 29 de junho de 2025

O Reator Nuclear da CNEN em Belo Horizonte

Ciência, Segurança e Aplicações Pacíficas da Energia Nuclear

📍 O que é e onde está?

O reator nuclear de Belo Horizonte está localizado no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O CDTN está situado no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Pampulha.
Esse reator, chamado TRIGA IPR-R1, é o único reator nuclear em funcionamento no estado de Minas Gerais e um dos poucos no Brasil. Diferente de reatores usados para gerar energia elétrica, como os das usinas nucleares de Angra (RJ), o TRIGA de Belo Horizonte é usado exclusivamente para fins científicos, tecnológicos e educacionais.


🧪 Para que serve esse reator?

O TRIGA IPR-R1 é um reator de pesquisa, e suas principais funções são:
  • Formação de profissionais da área nuclear, engenharia, física, medicina e biologia.
  • Pesquisas científicas em diversas áreas: radioquímica, física de reatores, ciência dos materiais, meio ambiente e medicina.
  • Produção de radionuclídeos usados para rastreios médicos e testes industriais.
  • Análise de materiais usando técnicas como a ativação neutrônica, para descobrir quais elementos químicos estão presentes em amostras.
Esse reator é uma peça-chave para o avanço da ciência nuclear no Brasil, com aplicações diretas na saúde, na indústria e na preservação ambiental.

⚙️ Como o reator funciona?

O TRIGA é um reator de baixa potência, projetado para ser extremamente seguro e fácil de operar. Ele funciona com urânio enriquecido como combustível e água como moderador e refrigerante. Seu nome, TRIGA, significa: Training, Research, Isotopes, General Atomics — ou seja, foi feito para ensino, pesquisa e produção de isótopos, pela empresa americana General Atomics.
O reator gera nêutrons através de reações nucleares controladas. Esses nêutrons são então usados em experimentos científicos, e não para geração de energia elétrica. A potência do TRIGA em Belo Horizonte é de cerca de 100 kW térmicos, o que é muito inferior à potência de uma usina nuclear de energia (que opera em megawatts ou gigawatts).
 
🛡️ É seguro?
Sim. O TRIGA é considerado um dos reatores mais seguros do mundo, justamente porque foi desenvolvido para fins educacionais. Ele possui diversos mecanismos de segurança, tanto manuais quanto  automáticos, que desligam o reator em caso de qualquer anormalidade. Além disso:
  • O reator não pode entrar em processo de fissão nuclear descontrolada (como em Chernobyl), pois seu design físico impede esse tipo de falha. Ele está instalado em uma estrutura especial, com barreiras de proteção física e radiológica.
  • A CNEN realiza monitoramento constante dos níveis de radiação e segue protocolos internacionais rigorosos.
🧬 Aplicações práticas do reator
Mesmo sendo pequeno e não gerando energia elétrica, o TRIGA tem diversas aplicações importantes:
  • Saúde: Produção de radioisótopos usados no diagnóstico e tratamento de doenças, como câncer e problemas na tireoide. Esterilização de equipamentos médicos por radiação.
  • Indústria: Inspeção de peças metálicas, soldas e estruturas usando técnicas não destrutivas. Análise da composição química de materiais.
  • Meio ambiente: Estudo de poluentes em solos, águas e ar. Identificação de metais pesados em alimentos e ecossistemas.
  • Educação e capacitação: Formação de engenheiros nucleares, físicos e técnicos. Treinamento em procedimentos de segurança e operação de reatores.
Estudantes visitam o reator TRIGA. CDTN/Divulgação

🕰️ Um pouco da história
O reator TRIGA de Belo Horizonte entrou em operação em 1960, sendo o primeiro reator nuclear do Brasil. Desde então, vem operando de forma segura e contínua, com mais de 60 anos de contribuição à ciência nacional. Ele foi fundamental para o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil e ainda hoje é usado para formar especialistas e realizar pesquisas de ponta.

🌍 Energia nuclear e responsabilidade
O reator da CNEN em Belo Horizonte mostra que a energia nuclear não se resume à produção de eletricidade ou a armas, mas tem usos pacíficos e essenciais para a sociedade. É possível usar a radiação e os materiais nucleares com segurança, ética e responsabilidade — desde que haja conhecimento técnico, fiscalização e compromisso público.

✅ Conclusão
O reator TRIGA IPR-R1 da CNEN em Belo Horizonte é uma ferramenta valiosa para o Brasil, com aplicações diretas na medicina, indústria, meio ambiente e formação científica. Estudar seu funcionamento e sua história ajuda os alunos a entender que energia nuclear não é apenas sobre risco ou poder, mas sim sobre ciência, conhecimento e benefício social.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

O Acidente com o Césio-137 em Goiânia: Uma Tragédia Radioativa no Brasil

Em setembro de 1987, ocorreu em Goiânia (GO) o pior acidente radiológico da história do Brasil e um dos mais graves do mundo fora de usinas nucleares. O incidente começou quando dois catadores de materiais recicláveis, Roberto dos Santos Alves e Wagner Mota Pereira, entraram nas ruínas do antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), um hospital abandonado que havia deixado para trás um perigoso aparelho de radioterapia contendo césio-137, um material altamente radioativo.

Sem saber do risco, os catadores desmontaram o aparelho e levaram a cápsula metálica para casa. Dias depois, a venderam para um ferro-velho de propriedade de Devair Alves Ferreira. Ao forçar a abertura da cápsula, encontraram um pó azul brilhante, que os encantou. A substância era cloreto de césio-137, e o brilho se devia à intensa radiação. Devair compartilhou o pó com familiares, vizinhos e amigos. Muitas pessoas o manipularam com as mãos, passaram no corpo e o colocaram em ambientes domésticos, sem imaginar que estavam espalhando um veneno invisível.

O que é o Césio-137?
O césio-137 é um isótopo radioativo do elemento químico césio. Isótopos são átomos do mesmo elemento com o mesmo número de prótons, mas diferentes números de nêutrons. O césio-137 é instável e sofre decaimento radioativo, emitindo radiação gama, que é extremamente penetrante e perigosa ao organismo humano, podendo causar desde queimaduras até alterações no DNA celular.
Um conceito essencial nesse contexto é a meia-vida, que é o tempo necessário para que metade da quantidade de uma substância radioativa se desintegre naturalmente. A meia-vida do césio-137 é de aproximadamente 30 anos, o que significa que ele permanece perigoso por muito tempo.

As Vítimas da Tragédia
Mais de 600 pessoas foram contaminadas, muitas delas com sintomas graves. Dentre essas, quatro pessoas morreram em decorrência direta da radiação:

Leide das Neves Ferreira, 6 anos
  • Sobrinha de Devair e filha de Maria Gabriela Ferreira
  • Brincou com o pó radioativo, chegou a passar no corpo e ingerir alimentos contaminados. Morreu semanas depois com síndrome aguda da radiação.
Maria Gabriela Ferreira, 37 anos
  • Irmã de Devair e mãe de Leide
  • Manuseou diretamente o material radioativo dentro de casa. Desenvolveu sintomas severos e morreu em outubro de 1987.
Israel Baptista dos Santos, 22 anos
  • Funcionário do ferro-velho de Devair
  • Ajudou a desmontar a cápsula contaminada. Faleceu por exposição intensa à radiação.
Admilson Alves de Souza, 18 anos
  • Amigo dos catadores
  • Teve contato direto com o césio e morreu poucos dias depois, com falência múltipla dos órgãos.
E o que aconteceu com os catadores e com Devair?

Roberto dos Santos Alves e Wagner Mota Pereira (os catadores que encontraram o aparelho)
  • Sobreviveram, embora tenham sofrido efeitos da exposição à radiação, como náuseas, feridas e queda de cabelo. Foram responsabilizados judicialmente, mas seus atos foram considerados sem dolo, pois não havia qualquer sinalização de perigo no local onde o equipamento estava abandonado.
Devair Alves Ferreira, dono do ferro-velho
  • Também não morreu diretamente por radiação. Teve sintomas severos e enfrentou grande sofrimento psicológico ao perder a irmã e a sobrinha. Morreu anos depois, com a saúde debilitada, mas não foi incluído entre as vítimas fatais imediatas do acidente.

Panorama Atual
Hoje, as áreas contaminadas foram descontaminadas, e a cidade de Goiânia é considerada segura. Os resíduos radioativos foram levados para um depósito permanente construído em Abadia de Goiás, onde são monitorados até hoje pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Mesmo assim, o impacto emocional, social e psicológico ainda é sentido por muitas pessoas envolvidas. Sobreviventes relataram sequelas duradouras e enfrentaram discriminação e estigmatização por parte da população, mesmo após receberem alta médica.

Medidas Preventivas Adotadas
Adotaram-se diversas medidas após o acidente, no Brasil e no mundo:
  • Normas mais rigorosas para uso, transporte e descarte de materiais radioativos.
  • Cadastro e rastreamento de todas as fontes radioativas no país.
  • Criação de centros de monitoramento e resposta a emergências radiológicas.
  • Campanhas educativas voltadas a profissionais da saúde, trabalhadores da reciclagem e ao público geral.
  • Estabelecimento de protocolos de segurança em clínicas de radioterapia e hospitais.
  • Em todo o mundo não se usa mais o material radioativo em pó, para evitar sua dispersão em possíveis acidentes desse tipo.

Conclusão
O acidente com o césio-137 em Goiânia mostrou como a desinformação, a negligência institucional e a ausência de controle sobre fontes radioativas podem levar a tragédias profundas. Estudar esse caso é essencial para que compreendamos os riscos da radiação, o papel dos isótopos, a importância da meia-vida e da ciência com responsabilidade.
A história de Leide, Maria Gabriela, Israel e Admilson serve como um lembrete comovente de que a tecnologia só deve ser usada com conhecimento, ética e fiscalização adequada — e que a ignorância pode ser fatal.