Um dos aspectos mais notáveis da biologia é a chamada "variação biológica". Entre plantas da mesma espécie é possível encontrar lado a lado (até mesmo em partes do mesmo organismo) dois ou mais padrões estruturais.
Costumo falar disso em aula e, particularmente, dou uma importância danada ao assunto. Só acho que os alunos não conseguem compreender bem o significado disso. Devem pensar que é "apenas uma das muitas curiosidades da biologia".
As imagens abaixo mostram dois exemplos de variações do número de pétalas em plantas da Serra do Cipó:
Em Lavoisiera subulata (Melastomataceae), o padrão mais comum é o de flores com seis pétalas (esquerda), mas também são encontradas flores com cinco pétalas (direita).
Nessa espécie de Drosera (planta insetívora, Droseraceae), o padrão mais comum é o de flores com cinco pétalas (esquerda), mas também são encontradas flores com seis pétalas (direita).
Obviamente, o primeiro problema que o biólogo ou estudante de biologia pode pensar é na dificuldade de classificar uma planta desconhecida a partir de um único exemplar. Ou seja, imagine uma espécie que seja caracterizada nas chaves de identificação como sendo pentâmera (cinco pétalas) e a pessoa que vai classificá-la só dispõe de um exemplar com seis pétalas. É evidente que haverá grande dificuldade na classificação. Portanto, ao coletar material (ou fotografar) é importante que sejam observadas todas as variações que podem estar presentes no organismo a ser classificado.
Entretanto, no "submundo da bioquímica", a questão pode ser mais complexa e ter implicações ainda mais sérias. As enzimas que catalisam as reações em uma pessoa não são necessariamente idênticas às enzimas de outra pessoa. Os receptores de membrana também podem apresentar variação biológica. Daí se conclui uma regra básica da medicina e da farmacologia: medicamento que funciona bem para fulano pode não funcionar em beltrano. Ou ainda mais sério, medicamento que dá uma resposta em fulano pode dar uma resposta contrária (idiossincrasia) em beltrano. Mais sério porque as respostas idiossincrásicas podem até ser fatais.
Também não é difícil perceber a variação biológica durante uma aula de anatomia, particularmente quando se pratica a dissecação. Os livros-texto fazem referência a isso em letras às vezes minúsculas. "A artéria tal passa em tal lugar. Contudo, em 10% das pessoas a mesma artéria passa em outro tal lugar. Fulano de tal já encontrou a artéria passando em local totalmente diferente."
- Oras, então como é que fazemos no mundo da biologia ou da medicina já que não existem regras fixas e definitivas?
Pois é, aí se encontra a diferença da área biológica ou biomédica em relação às áreas exatas do conhecimento. Aqui está em jogo no nível macroscópico e perceptível (e não apenas no nível atômico) um certo "Princípio da Incerteza". É a casualidade das mutações e das recombinações, aliada ao enorme tamanho da nossa informação genética. Juntamos tudo isso e podemos entender que a imprevisibilidade é uma das características dos seres vivos.
Resta então, a quem deseja conhecê-los ou trabalhar com eles, a consciência da existência dessas variações. Ou como diz a sabedoria popular: "nenhuma pessoa é igual a outra".
Ramon Lamar de Oliveira Junior
Biólogo
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