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quarta-feira, 5 de junho de 2013

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE (IV): Palestra do Professor Ângelo Machado

Ângelo Machado

(Palestra, in Dois Pontos, v.2 n. 11 - Out/91)

O tema da minha palestra é educação ambiental. Este é um tema de grande importância na atualidade, pois, como se sabe, a educação ambiental é hoje obrigatória em todos os níveis de escolaridade. Isso tem criado uma grande perplexidade entre os educadores e ambientalistas sobre o que ensinar e como ensinar. Eu não pretendo responder a essas perguntas, mas, sim fazer algumas reflexões que poderão ajudá-los a respondê-las, mesmo porque, a meu ver, não existe uma solução única, aplicável a todas as situações.
Na verdade, vou falar apenas sobre um dos aspectos da educação ambiental, ou seja, aquele voltado para a conservação de ecossistemas naturais e que recebe o nome de educação conservacionista. Meu enfoque será na fauna e na flora, e, dessa forma, não falarei de problemas de educação ambiental urbana, ligada à poluição e à reciclagem de lixo, que são também problemas muito importantes. Eu gostaria de enfatizar que minha palestra não vai ser científica e, nesse sentido, peço permissão para usar uma linguagem mais simples.
A educação conservacionista tem como objetivo ministrar conhecimentos, desenvolver atitudes e valores que levem as pessoas que levem as pessoas a conservar e a não destruir a natureza. É na educação conservacionista que reside toda a esperança de se evitar a total destruição da natureza, por isso ela é mais eficiente quando voltada para as crianças. Os psicólogos sabem que o comportamento dos alunos depende, em grande parte, da vivência que tiveram quando crianças. Assim, educar significa preparar pessoas que terão poder de decisão no futuro e que, no presente, influenciam as atitudes dos pais. A isso eu chamo "poder infantil".
Quando comecei a me preocupar com educação ambiental, eu me perguntei por que algumas pessoas conservam a natureza e concluí que só poderia ser por amor ou por temor. Na educação conservacionista, devemos incentivar essas duas coisas, pois a natureza revida quando agimos intempestivamente contra ela. É preciso incentivar também um relacionamento amistoso entre a criança e a natureza, e, para isso, devemos ensinar ecologia aplicada à conservação da natureza. Aí surge um termo que está cada vez mais difícil de ser definido, uma vez que o conceito de ecologia como a ciência que relaciona os seres vivos entre si e o meio ambiente já está bastante ampliado.
No popular, ecologia é, hoje, sinônimo de planta, bicho, natureza. Outro dia, uma amiga minha estava plantando um vaso de flor e disse que estava plantando ecologia. Eu até brinquei que gostaria que a ecologia dela crescesse bastante e desse muitos frutos. É lindo quando uma ciência passa a ficar na boca de todo mundo, mesmo que isso mude um pouco aquela definição precisa do início.
Na medida em que ecologia significa toda a natureza, a responsabilidade do professor aumenta muito, pois, se ele é chato e ensina mal, o aluno não vai gostar da natureza. Parece-me o defeito principal desse ensino as pessoas não ajustarem o conhecimento ao nível das crianças. Um mesmo conceito pode ser ensinado a uma criança de 4 anos ou a um aluno da pós-graduação.
Por exemplo, meu filho, então com 4 anos, um dia me perguntou por que o sapo ficava debaixo da luz. Eu disse que não sabia, e fomos observar o sapo. Nisso o sapo comeu um gafanhoto e meu filho concluiu: "Ah, o sapo gosta de comer o bichinho que fica na luz, por isso ele fica debaixo dela." Aí eu lhe perguntei o que o gafanhoto comia, e ele respondeu que o gafanhoto comia plantinhas. Dessa forma, ensinei a uma criança de 4 anos como funciona a cadeia alimentar, e ele entendeu que, se matasse o sapo, iria aumentar o número de gafanhotos que comem plantinhas, e estas, então, iriam diminuir. Quando a criança dessa idade chegar a um nível mais alto, vamos ensiná-la a mesma coisa, mas em termos de produtor e consumidor de primeira ordem, segunda etc. 
Não adianta ensinar a uma criança que o sapo é importante no equilíbrio ecológico se ela tem medo e nojo do sapo. Por isso, temos de ensinar a criança a gostar da natureza. Mas, para gostar, é preciso conhecer, e a maioria das crianças não conhece a fauna e a flora silvestres porque estão isoladas nas grandes cidades. Isso traz sérias distorções na imagem da natureza, o que é um grande problema, já que o destino da natureza é decidido nas cidades, onde se concentram os poderes político e econômico.
Para uma criança da cidade grande, por exemplo, galinha é algo gelado, empacotado e produzido no supermercado. A consequência de raciocínios como este é o que chamo de "falsa independência da natureza". As crianças das grandes cidades acham que ali tem tudo e, portanto, não precisam da natureza para nada. Realmente o supermercado tem toda a natureza picada e enlatada. A única coisa inteira que tem lá é peixe. Assim, mostrar que somos dependentes da natureza é, a meu ver, o papel fundamental da educação ambiental.
Uma criança que mora no décimo andar de um prédio pode ter uma imagem negativa da natureza se a fauna que ela conhece se resume em barata, rato mosca e pernilongo. Realmente não é uma fauna muito bonita, e as crianças tendem, então, a generalizar para toda a fauna as características desagradáveis desses animais. Numa ocasião, andei perguntando a crianças exemplos de insetos. A ideia era que respondessem rápido o que estivesse mais vivo em suas cabeças. Responderam, então, piolho, barata, mosquito, sujeira e até rato, mas nenhuma delas se lembrou de libélula ou borboleta, por exemplo. A conotação era do sujo, do ruim, e não do zoológico. Na verdade, essa ideia negativa convém aos vendedores de inseticidas e é um arraso para a conservação da natureza.
Essa generalização ocorre também para outros conceitos ligados à deterioração das cidades. Eu ia muito ao colégio conversar com as crianças e, numa dessas palestras, um menino de 7 anos me perguntou por que todos os rios eram sujos. Eu fui conversar com ele e descobri que o único rio que ele conhecia era o rio Arrudas, que é um esgoto a céu aberto em Belo Horizonte. Na época havia um comercial da Copasa dizendo o quanto ela gastava para limpar as águas dos rios. Por isso, na cabeça daquela criança, os rios eram naturalmente sujos, e os homens, através da Copasa, os limpavam. O que eu recomendo, então, como uma boa educação ambiental para aquele menino? Tirem-no rapidamente da sala de aula e levem-no para tomar um banho de cachoeira na Serra do Cipó. Nadando na cachoeira, ele vai perceber que os rios são limpos e que os homens é quem os sujam.
A sala de aula deve ser, acima de tudo, um agente motivador de atividades e pesquisas feitas pelos alunos fora dela, porque o problema ambiental está lá fora. É importante que a criança mesma faça suas descobertas. É muito importante que a criança veja tanto a natureza degradada, poluída, quanto a natureza bem equilibrada, pois a partir desse contraste, ela percebe a vantagem de conservar a natureza equilibrada. As populações que vivem em ambientes degradados e sujos se acostumam com isso e passam a achar que essa situação é normal. Dessa forma, não lutam pelo direito constitucional de terem um meio ambiente equilibrado. 
Um problema sério para a educação conservacionista é o próprio ensino de Ciências, que tende a ser chato e desinteressante. Um mau professor de Ciências pode formar um destruidor da natureza, já que o aluno pode passar a odiar o objeto de estudo das ciências, no caso, as plantas e animais. O professor de Ciências precisa se conscientizar de que ele e seus alunos, ao lidarem com a natureza, tratam da própria concepção de vida.
Eu sempre chamo a atenção para as diferenças entre o ensino tradicional de Ciências e o ensino orientado para a conservação da natureza. A primeira diferença é que o ensino tradicional é centrado na sala de aula e o voltado para a conservação tem de ter, necessariamente, um componente externo, como excursões, por exemplo. Outra diferença é que o ensino tradicional enfatiza exageradamente o animal "picado", enquanto o ensino de conservação enfatiza o animal "inteiro".
Outro dia entrevistei alunos que iam prestar vestibular para Medicina e um deles sabia as fórmulas do DNA, mas achava que havia leão na floresta brasileira.
O ensino tradicional costuma enfatizar também o estudo de animais que transmitem doenças e que são venenosos. Isso é importante, mas eu tenho exemplos de crianças que ficam assustadas com caramujo de jardim porque acham que ele transmite esquistossomose. Não temos o direito de ensinar nada a uma criança que a deixe angustiada no jardim de sua casa. A educação ambiental que advogo tem de ser libertadora.
Um dos objetivos da educação conservacionista é ajustar o medo à realidade do perigo, e isso exige conhecimento, já que a grande causa do medo é a ignorância. O medo de cobras, por exemplo, é muito exagerado, apesar de existirem mesmo muitas cobras venenosas. Na verdade, qualquer ambiente oferece riscos, portanto cabe a cada um avaliar se o risco é aceitável, mas sem exageros.
Um medo interessante é o medo de floresta. Eu descobri que o conceito de floresta surge na criança aos 2, 3 anos e não tem nada a ver com árvore, mas sim com bicho amedrontador. É notória a influência das histórias infantis nesses conceitos. Se dependesse da decisão de crianças até 4 anos, as florestas seriam todas destruídas por causa do lobo. Já na faixa dos 7, 8 anos, o grande perigo da floresta são os animais que nem existem na nossa fauna, como o rinoceronte e as pumas. Tudo o que dá medo numa criança, ela imagina que está na floresta, e esse medo fica em seu inconsciente até a idade adulta. Dessa forma, é preciso formar nas crianças uma imagem positiva da natureza através do contato direto. Andando na floresta, o menino vai descobrir que o lobo não é mau e que as cobras não vão atacá-lo. É fundamental que a criança goste da natureza, pois quem gosta protege.

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