Não adiantou apresentar um projeto surreal: calçadas de grama, casas sem muros, uma associação de moradores (AMOHELENA - Associação de Moradores do Boulevard Santa Helena) que fiscalizaria o cumprimento das diretrizes do projeto. Beleza não põe mesa e o projeto não caiu nas graças da população presente no auditório do UNIFEMM.
As falas das entidades e das pessoas me surpreenderam. Não porque eu esperasse coisa diferente do que foi dito, mas pela certeza que brotou dentro do auditório e se consolidou no discurso de todos contra a insanidade do empreendimento. Abraço especial ao Paulinho do Boi e seus alunos de teatro. Fantásticos. Outro patrimônio público a ser preservado e ampliado.
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| A comunidade atenta às explicações do empreendedor. O projeto-conceito teve a atenção da plateia, mas não teve a aprovação. |
Rituais à parte, a mesa que coordenou os trabalhos concedeu seu próprio tempo para a explanação do empreendimento. Não sei se é praxe, mas pegou mal demais. Principalmente quando, ao final, não me concedeu tréplica por ter sido citado nominalmente pelo Leonardo Pittela, responsável pela execução e apresentação do EIA/RIMA.
Após a audiência, no estacionamento do UNIFEMM, conversei com o Leonardo e expus qual seria o teor da minha tréplica. Afirmei a ele que as minhas suposições sobre a incapacidade do aquífero em abastecer a população do pretendido empreendimento, gerando mais dano ambiental, era baseada na suposição citada no próprio RIMA a respeito do uso dos poços profundos ter sido a causa da perda das nascentes do córrego do Diogo e da Lagoa da Chácara. Portanto, se eu estava errado ao supor tal fato, mais errados estavam os técnicos ao colocar tal suposição no RIMA. Disse a ele também que o episódio de alguém ter comentado que ele feriu a ética durante sua fala deveu-se ao fato dele ter emitido juízo de valor ao afirmar que a cidade (população, prefeitura, quem seja) não teria condições de manter um parque natural naquela área. Ele reconheceu o deslize e pediu desculpas, prontamente aceitas. Elogiei, como fiz durante minha fala, o trabalho da equipe técnica e frisei que ele omitiu uma importante afirmação a respeito do tempo de pesquisa da herpetofauna (anfíbios e répteis). Em sua fala, Leonardo afirmou que surpreendentemente poucas espécies desses animais foram encontradas, indicando degradação da área, mas omitiu que tal pesquisa foi feita em apenas 4 dias.
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| Pegada do mão-pelada, Procyon cancrivorus, mostrada na apresentação do RIMA. Conforme o RIMA, uma das espécies de dieta especializada que habita o local e requer áreas de grandes extensões para sua sobrevivência (página 95). |
A seguir, o texto da minha fala, conforme foi protocolizado junto à mesa. O trecho final nem foi lido, em respeito ao tempo que havia estourado.
"Aqueles que vão decidir sobre a concessão da licença ao empreendimento certamente leram e releram o relatório de impacto ambiental e, objetivamente - com sua experiência acumulada saberão distinguir entre enganação e realidade.
O mundo mudou. Não estamos aqui falando apenas de um loteamento. Esse palco é uma batalha de uma guerra muito maior. Mas é nossa batalha. Leis foram feitas com a preocupação de preservar alguma coisa, tentando resguardar um futuro para nós todos. Vamos obedecê-las, em reverência aos que lutaram para a sua aprovação e aplicação.
O empreendimento proposto está localizado em uma região onde são observados afundamentos do terreno provocados pelo abatimento do solo. A área em questão é uma área de recarga dos aquíferos e amortecimento das cheias do Córrego do Diogo. A grande absorção de água dissolve a rocha lentamente, provocando a formação de tais afundamentos. Não sabemos como se encontra o subsolo na região, mas sabemos o que é o carste. Convivemos há anos com essas palavras e seus pesadelos derivados: cavernas no subsolo, dolinas de abatimento, proibições e limitações.
Próximo às áreas mais baixas e alagadiças do terreno, onde a água brota a menos de um metro de profundidade, são propostos prédios de 7 a 10 pavimentos, enquanto - nas linhas e entrelinhas - o relatório de impacto ambiental afirma que sondagens não foram feitas, correndo por conta e risco do proprietário do lote.
Dolinas formadas recentemente estão em alinhamento com a Lagoa da Chácara, indicando o possível - para não dizer absolutamente certo - fluxo subterrâneo de água nesta direção. Tal faixa está destinada a “áreas institucionais”. Quem sabe construímos ali uma escola, um hospital ou a nova sede da prefeitura. Na dúvida, pode-se optar pela encosta da Serra de Santa Helena, a outra área indicada como “institucional”. Com uma declividade de mais de 45 graus, vamos remexer a terra e reeditar deslizamentos que até hoje deixam grotões na face da Serra.
Para abastecer uma população de 20.000 pessoas que se intenciona colocar na área, sugere-se um poço profundo para remover 5 milhões de litros de água por dia, mesmo sabendo e afirmando que a retirada de água pelos poços artesianos deve estar diretamente relacionada com a agonia das nascentes do córrego do Diogo e da Lagoa da Chácara.
O empreendimento é uma aula de “educação ambiental”, uma aula às avessas, um exemplo a não ser seguido. Mas certamente terá o apoio de muita gente interessada em fazer projetos para casas “de alto padrão”, vender areia, tijolos, cimento e aparelhos de ar condicionado. Venda de aparelhos de ar condicionado aliás passará a ser o empreendimento mais lucrativo da cidade nos próximos anos, não só nas grandes lojas do Boulevard Santa Helena - se a insanidade da licença prévia for concedida - mas em toda a cidade, que perderá sua maior área verde urbana."
Ramon Lamar de Oliveira Junior
PS.: O Leonardo Pitella afirmou em sua fala a suspeita de que os poços profundos do SAAE, nos terrenos da Fazenda Arizona, não têm a outorga necessária para o funcionamento. Com a palavra, o SAAE.