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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

REVISITANDO O GLIFOSATO E SUA SEGURANÇA

Nos últimos meses, o debate sobre o glifosato ganhou um novo capítulo decisivo. Um dos estudos mais citados para sustentar a segurança do herbicida — publicado em 2000 e amplamente usado por agências reguladoras no mundo todo — foi oficialmente despublicado após 25 anos. A decisão ocorreu porque vieram à tona indícios graves de conflito de interesse: o artigo utilizava exclusivamente dados fornecidos pela própria Monsanto, sem estudos independentes, e havia suspeitas de ghostwriting, com trechos escritos por funcionários da empresa sem a devida declaração. Esses fatores comprometeram a confiança nas conclusões e levantaram questionamentos sobre a integridade científica por trás do documento.

A despublicação tem implicações profundas. Por décadas, esse estudo serviu como um dos principais pilares para validar a segurança do glifosato, especialmente quando associado ao uso do Roundup e de culturas geneticamente modificadas para resistir ao herbicida, como a soja transgênica. Essa tecnologia permitiu que agricultores utilizassem doses cada vez maiores de glifosato, já que a planta cultivada não sofria danos. O resultado foi uma aplicação intensiva e recorrente do produto em larga escala.

https://valor.globo.com/agronegocios

Agora, com a retirada desse estudo do corpo científico, uma série de dúvidas se abre. Reguladores e pesquisadores precisam reavaliar a farmacotoxicidade do glifosato com maior rigor, desta vez baseada em evidências plenamente independentes e transparentes. Não significa, automaticamente, que está comprovado que o glifosato causa câncer ou outros danos graves, mas significa que parte das certezas usadas para defender sua segurança não é mais confiável. Isso recoloca no centro da discussão temas como exposição crônica, resíduos em alimentos, impactos ambientais e efeitos de longo prazo sobre a saúde humana.
A situação é especialmente sensível no Brasil, onde a soja transgênica resistente ao glifosato domina vastas áreas agrícolas. O modelo de cultivo associado à aplicação intensiva pode passar a ser questionado, tanto por órgãos reguladores quanto por consumidores e organizações de saúde e meio ambiente. É possível que, a partir desse episódio, haja pressão para estabelecer novos limites, revisar protocolos de segurança ou incentivar alternativas menos dependentes de herbicidas.
O episódio revela algo maior: a necessidade de ciência independente, livre de conflitos de interesse e com acesso aberto aos dados brutos. Quando decisões de grande impacto econômico e sanitário se apoiam em estudos que depois se mostram comprometidos, toda a sociedade é prejudicada. A retratação do estudo de 2000 não encerra o debate sobre o glifosato, mas marca o início de uma fase que exige mais transparência, mais rigor e mais responsabilidade.
Para agricultores, consumidores, pesquisadores e formuladores de políticas públicas, o momento é de reflexão: como equilibrar produtividade, segurança e sustentabilidade? O futuro do glifosato — e de modelos agrícolas baseados em seu uso intensivo — dependerá das respostas que conseguirmos construir coletivamente, a partir de evidências sólidas e independentes.

Explicando a questão da soja transgênica resistente ao glifosato

A introdução da soja geneticamente modificada para resistir ao glifosato transformou profundamente o manejo agrícola nas últimas décadas. Essa tecnologia permitiu que o herbicida fosse aplicado diretamente sobre as lavouras sem causar danos à planta cultivada, eliminando com eficiência a maioria das ervas daninhas. Como consequência, o uso do glifosato tornou-se mais frequente e em doses progressivamente maiores, uma vez que a cultura permanecia protegida contra seus efeitos.
Esse modelo de produção, embora tenha simplificado práticas agrícolas e reduzido custos operacionais para muitos produtores, resultou em uma dependência crescente do herbicida. Além disso, a aplicação intensiva favoreceu o surgimento de plantas daninhas resistentes, exigindo ainda mais pulverizações para manter o controle. Assim, a combinação entre soja transgênica tolerante e glifosato consolidou um sistema de cultivo altamente dependente do produto, cujo impacto ambiental e sanitário tem sido cada vez mais debatido pela comunidade científica e por órgãos reguladores.

Quanto usamos de glifosato no Brasil?

Com base nos dados disponíveis, uma estimativa razoável sugere que o Brasil consome — ou comercializa — algo na ordem de duzentas a trezentas mil toneladas anuais de glifosato (ingrediente ativo), em anos recentes. Esse volume impressionante dá a dimensão do quanto o herbicida se tornou central para o modelo agrícola brasileiro, consolidando-se como o produto mais vendido e mais aplicado do país dentro do grupo dos agrotóxicos.
O uso expressivo do glifosato está diretamente ligado à expansão das culturas transgênicas tolerantes ao herbicida, especialmente a soja RR, seguida pelo milho e pelo algodão. Esses cultivos permitem que o agricultor aplique o produto diretamente sobre a plantação sem causar danos às plantas — uma tecnologia que simplifica o manejo de plantas daninhas e reduz custos de operação. O efeito colateral, porém, é que o volume total aplicado nas lavouras aumenta significativamente, uma vez que a principal limitação ao uso do glifosato — o risco de queimar a cultura — deixa de existir.
A soja, por si só, explica boa parte desse consumo. O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo, com dezenas de milhões de hectares plantados anualmente. Como mais de 95% da área é ocupada por variedades transgênicas resistentes ao glifosato, a cultura responde pela maior parcela da demanda nacional do herbicida. O milho safrinha, cultivado logo após a soja, também utiliza intensamente o produto para dessecação pré-plantio. Já o algodão, outra cultura de grande área no Cerrado, adota manejo semelhante, com uso recorrente de glifosato ao longo do ciclo.
Além dessas culturas principais, o herbicida também é amplamente empregado em áreas de pastagem, na cana-de-açúcar e na dessecação de áreas antes do plantio de diversas culturas, prática comum no sistema de plantio direto — que depende fortemente de herbicidas para funcionar.
Essa combinação — transgênicos tolerantes, agricultura de larga escala, plantio direto e múltiplas safras por ano — ajuda a explicar por que o glifosato domina o mercado de herbicidas brasileiro. Mais do que um produto, ele se tornou uma peça estrutural do modelo agrícola atual. Por isso mesmo, qualquer discussão sobre sua segurança, uso e regulamentação tem impacto enorme, tanto do ponto de vista produtivo quanto ambiental e de saúde pública.

Entendendo o transgênico

A adoção de cultivares resistentes ao glifosato transformou profundamente o manejo de plantas daninhas na agricultura brasileira. Antes do desenvolvimento da soja transgênica resistente ao herbicida, o glifosato precisava ser aplicado com extremo cuidado: sua ação é não seletiva, ou seja, mata praticamente qualquer planta que atinge. Isso obrigava o agricultor a direcionar o produto apenas para as ervas daninhas, evitando ao máximo o contato com as folhas da soja cultivada, pois qualquer deriva ou erro de aplicação poderia comprometer seriamente a lavoura. A operação, portanto, era mais lenta, exigia maior precisão e demandava mão de obra experiente.
Com o advento da soja resistente ao glifosato, esse cenário mudou completamente. As novas cultivares passaram a tolerar o herbicida, permitindo que ele fosse aplicado de maneira mais ampla, inclusive por pulverização aérea ou tratorizada sobre toda a área plantada, sem risco de danificar a cultura principal.
Além disso, a resistência genética fez com que os agricultores pudessem usar doses maiores de glifosato sem comprometer a cultura, o que contribuiu para o aumento expressivo do consumo nacional.
Isso trouxe como vantagem imediata uma drástica simplificação do controle de plantas daninhas, garantindo maior eficiência operacional, redução de custos de manejo, menor necessidade de técnicas complexas de aplicação e, sobretudo, a possibilidade de realizar o controle mesmo com o mato já estabelecido.

Ramon Lamar de Oliveira Junior

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