A Lagoa Paulino vem sofrendo, desde muito, com uma série de
intervenções totalmente desvinculadas de qualquer objetivo estudo ambiental. O
ponto alto dessas intervenções foi sem dúvida alguma a introdução dos botos na
mesma, seguida pela introdução de carpas. A dupla de animais provocou enorme
degeneração nas condições biológicas do lago e a partir daí a lagoa nunca mais
foi a mesma. Obras na década de 1980 minimizaram o lançamento de esgotos na
lagoa e, recentemente, a limpeza das galerias pluviais e o estancamento de
alguns pontos de vazamento de esgoto diminuíram o ritmo de lançamento de
matéria orgânica. Mas é muito pouco frente ao enorme acúmulo de sedimentos
orgânicos no seu leito, que além do mais são revolvidos constantemente pelos
peixes, o que provoca efeitos estéticos e biológicos importantes.
Junte-se a isso o fato de ser uma lagoa rasa com uma
profundidade média que não chega a 2 metros. Basicamente, ela possui um único
rasgo que vai da região da fonte luminosa até sua comporta (perto do Arthur
Bernardes) onde a profundidade pode chegar a 4 metros. No mais, em sua maior
parte, pode ser cruzada sem se dar uma braçada. É importante essa
contextualização para entendermos que modelos que se aplicam a lagoas de 20
metros de profundidade não se aplicam à Lagoa Paulino. Não há uma inversão
importante das camadas ou estratos de água em lagoas desse tipo, simplesmente
pelo fato de tais camadas precisarem de profundidades maiores para se
estabelecerem. E os poucos estudos que tive acesso sobre as concentrações de
oxigênio na lagoa mostram níveis acima de 4mg/litro. Abaixo disso podemos sim
ter uma mortandade generalizada de peixes.
Tudo isso precisa ser compreendido para entendermos as
recentes mortes divulgadas de Pirarucus na Lagoa Paulino. O pirarucu é um peixe
da bacia amazônica que foi indevidamente introduzido na lagoa. Há relatos que
também tenha sido introduzido na Lagoa José Félix. Outra irresponsabilidade de
quem quer que tenha sido, seguramente ocorrido por volta de uma década e meia
atrás, que deveria ter sido amplamente investigada e punida na época.
O pirarucu (Arapaima
gigas) divide com a piraíba (Brachyplatystoma
filamentosum) o título de maior peixe de água doce do mundo, podendo chegar
a 3 metros e 250 quilos. O pirarucu, como vários peixes da bacia amazônica, tem
alternativas para conseguir o oxigênio necessário para sua respiração. Quase
80% do oxigênio que ele consegue vem da respiração aérea. Não é um peixe
pulmonado verdadeiro, mas sua bexiga gasosa (órgão de flutuação) tem a
capacidade de fazer as trocas gasosas necessárias para o peixe conseguir
oxigênio. Para tanto, ele precisa vir até a superfície e esse é o momento em
que ele é arpoado e capturado. Basicamente vem à superfície em intervalos que
variam de 5 a 15 minutos. Além do mais, e para entender a questão da morte dos
pirarucus, convém lembrar que em períodos de frio não há diminuição drástica do
teor de oxigênio na água, pelo contrário. É no verão que ocorre a diminuição da
solubilidade do oxigênio e maior consumo pelo metabolismo dos organismo do
sedimento. Claro que o teor de oxigênio varia durante as 24 horas do dia e cai
na parte da noite/madrugada pela ausência da fotossíntese. Mas nada que em
princípio provocaria a morte dos pirarucus. A questão da temperatura da água em
si, bastante baixa no último mês, pode ter algum reflexo na saúde geral do
peixe, facilitando sua contaminação com fungos ou com parasitas possivelmente
existentes na lagoa, mas há mais informações que precisam ser conhecidas para
não se tentar atribuir a apenas uma causa tais eventos.
Não foram apenas dois pirarucus mortos. A Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) identificou 7 mortes de
pirarucus nos últimos dois meses. Ou seja, as mortes começaram antes do período
de frio extremo e coincidindo com o período em que já verifiquei
fotograficamente a ocorrência de reprodução dos mesmos na Lagoa Paulino. Dos 7
animais periciados, três apresentavam sinais inequívocos de lesões por
tentativa de pesca, dos outros quatro ainda aguardamos mais informações. Anzóis
têm sido encontrados frequentemente “de espera” na orla da lagoa. Em outras
palavras, tem gente querendo comer ou comercializar a carne desses peixes o que
é um assunto muito grave e transcende a questão da morte dos peixes,
tornando-se um problema de saúde pública e um caso de polícia.
Inequivocamente, as baixas temperaturas podem fragilizar o
animal facilitando o surgimento de doenças. O período reprodutivo (se é que
ocorreu reprodução) faz os machos se exporem mais pois são eles que “ensinam” os
filhotes como subir à superfície para respirar - isso é muito visível e já registrei
sua ocorrência várias vezes em outras épocas (os dois animais mortos que vi
imagens, pela coloração das escamas, são machos). O nível de contaminação
microbiológica das águas, que levou à condição de proibição de uso da água,
nado e pesca desde 2010, persiste e é claro que impõe um risco a mais para a
fauna. O teor de oxigênio, salvo uma análise que mostre que tem ficado abaixo
de 4mg/litro, creio não ser o principal fator num peixe que tem respiração
aérea.
Mas é importante, novamente, frisar que 3 dos 7 animais mortos foram
vítimas de tentativa de pesca. Acho que no momento isso se impõe e deve ser
amplamente divulgado. O consumo de peixes da Lagoa Paulino, da Lagoa do
Cercadinho e da Lagoa José Félix não deve ser feito. Não há garantia alguma de
que o cidadão estará livre de contaminação com micro-organismos ou com toxinas (que
são resistentes ao cozimento do pescado) que podem se acumular no organismo e
provocar falência de órgãos como o fígado, baço e rins.
Portanto, a boa ciência nos indica cautela e investigação. E
total apoio aos órgãos como a Semas no sentido de colaborar com essas
investigações e na proposição de uma agenda exequível de devolver para nossos
cidadãos uma lagoa com melhores condições para uma fauna e flora nativas e
equilibradas.
Ramon Lamar de Oliveira
Junior
Professor e Biólogo
(CRBio – 87454/04-D)
[Texto com informações solicitadas pelo site http://teclemidia.com/]
PS.: Na semana passada (por volta de 10 de agosto, já fora do período de maior frio), apareceu outro pirarucu morto na Lagoa Paulino.
O pirarucu é pescado (ou "caçado") por arpoamento. Os grandes pescadores de beira de barranco de Sete Lagoas acham que vão ter sucesso com linha 0,50 e anzol. No máximo, estão dilacerando esses animais por dentro.
ResponderExcluirCausa-me estranheza ter recebido a informação diretamente do Secretário Municipal de Meio Ambiente de que 7 pirarucus morreram nos últimos 60 dias e que três tinham sinais de lesões por tentativa de pesca... e em seguida a Secretaria divulga uma nota colocando o frio como a única causa que explica a morte dos animais.
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