Vamos conhecê-la?
Lavoisier era um dos Tesoureiros do Rei da França?
Não exatamente. Lavoisier não era "tesoureiro do rei" no sentido literal. Ele era um fermier-général (coletor de impostos), participante de um sistema chamado Ferme Générale. Este era um sistema de arrecadação de impostos em que particulares ricos adiantavam dinheiro ao Tesouro Real em troca do direito de coletar impostos da população durante seis anos, ficando com os ganhos acima de uma cota estabelecida.
Para participar da Ferme Générale, Lavoisier precisou adiantar 1,5 milhão de libras ao Tesouro Real. Com recursos próprios e emprestados, conseguiu reunir 500 mil libras, adquirindo assim um terço de uma cota nesta associação de coletores.
Além disso, a partir de 1775, Lavoisier foi nomeado régisseur des poudres (diretor de pólvoras), dirigindo o Arsenal de Paris, o maior depósito e fábrica de pólvora da França. Nesta função, transformou a pólvora francesa, que era de péssima qualidade, em uma das melhores do mundo.
Qual Rei?
Durante a vida de Lavoisier, a França foi governada por Luís XVI (1774-1792), o rei que foi executado durante a Revolução Francesa. Lavoisier serviu à monarquia durante o reinado deste monarca.
A Execução: Não Foi Apenas por Ser Tesoureiro
A acusação principal contra Lavoisier durante o Tribunal Revolucionário foi a de ter servido à monarquia como fermier-général (coletor de impostos). Essa ocupação era considerada intolerável para os revolucionários, dado o caráter "literalmente revoltante" dos tributos extorquidos pelo Ancien Régime (o antigo regime monárquico).
No entanto, a execução de Lavoisier não foi consequência direta apenas de sua função como coletor de impostos. Vários fatores contribuíram para sua condenação:
- Inimigos Políticos: Lavoisier tinha um ferrenho desafeto - um médico charlatão que havia tentado obter aprovação da Academia de Ciências para suas teses sobre magnetismo animal, mas foi impedido por Lavoisier. Este inimigo se converteu no poderoso panfletário Jean-Paul Marat, que atacava Lavoisier publicamente.
- Incidentes com a Revolução:
- Em julho de 1789, Lavoisier foi associado às muralhas de Paris (mandadas erguer pelo rei por sugestão dele para combater contrabando), que a multidão atacou durante a Revolução.
- Houve um incidente em que a multidão ameaçou enforcá-lo em um lampião.
- Ataques de Marat: Em fevereiro de 1791, Marat escreveu no jornal L'Ami du Peuple que Lavoisier era o "corifeu (líder) dos charlatães" e lamentava que ele não tivesse sido enforcado em um lampião.
- Dissolução da Ferme Générale: Em maio de 1791, a Assembleia Nacional dissolveu a Ferme Générale e acusou os coletores de desvio de 32 milhões de libras.
- O Período do Terror: Lavoisier foi preso em novembro de 1793, durante o Tribunal Revolucionário de Robespierre e Saint-Just, no auge do Período do Terror.
O Julgamento e a Execução:
Lavoisier foi julgado junto com 27 outros coletores de impostos. O julgamento foi extremamente rápido e injusto:
- Os advogados de defesa tiveram apenas 15 minutos para falar com cada acusado antes do julgamento
- Um dos advogados tentou ler um documento favorável a Lavoisier, mas teve a palavra cassada pelo juiz
- A sentença foi proferida apenas 4 horas após a abertura da sessão
- Lavoisier foi condenado à morte
Lavoisier foi guilhotinado na madrugada de 8 de maio de 1794, na praça da Revolução (depois denominada praça da Concórdia), juntamente com os outros coletores de impostos.
Reabilitação Posterior:
Um ano e meio após sua execução, Lavoisier foi completamente absolvido pelo governo francês. Em 1795, foi inaugurado um busto seu com a inscrição "vítima da tirania". Ironicamente, o promotor, o juiz e cinco dos doze jurados que o condenaram também foram posteriormente guilhotinados, assim como o próprio Robespierre.
O matemático Lagrange, amigo de Lavoisier, cunhou a célebre frase ao saber de sua morte: "Num instante cortaram-lhe a cabeça, mas outra igual talvez não surja na França num século".
Ramon L. O. Junior, com informações sobre a biografia de Lavoisier.
P.S1.: A acusação de que Marie-Anne Paulze Lavoisier, esposa de Antoine Lavoisier, teria agido contra o marido não encontra respaldo histórico sólido. Pelo contrário, as evidências indicam que ela foi uma colaboradora científica ativa e uma defensora de Lavoisier até o fim. Marie-Anne traduziu obras fundamentais de química, produziu ilustrações detalhadas dos experimentos, organizou manuscritos e participou intensamente da divulgação das ideias que sustentaram a chamada revolução química. Durante o período revolucionário, ela tentou mobilizar contatos e redigir petições em favor do marido, preso sobretudo por sua ligação com a Ferme Générale, instituição fiscal do Antigo Regime fortemente associada aos abusos do Estado.
A execução de Lavoisier, em 1794, deveu-se essencialmente ao clima político radical da Revolução Francesa, que via antigos coletores de impostos como inimigos do povo, e não a qualquer ação de sua esposa. A imagem de Marie-Anne como traidora surgiu mais tarde, alimentada por leituras superficiais ou por preconceitos de gênero, que minimizaram seu papel científico e distorceram sua atuação histórica. Hoje, a historiografia reconhece que ela foi uma aliada fundamental de Lavoisier e uma figura central na preservação e publicação de sua obra após sua morte.
PS2.: A ampla divulgação e preservação da obra de Lavoisier realizadas por Marie-Anne Paulze Lavoisier foram fundamentais para que seus escritos chegassem às gerações seguintes, incluindo John Dalton, embora não tenha havido contato direto entre eles.
Após a execução de Lavoisier, Marie-Anne empenhou-se em organizar, editar e publicar seus manuscritos, além de preservar edições e traduções de obras centrais como o Traité Élémentaire de Chimie (1789). Esse livro, que já havia circulado amplamente na Europa antes mesmo da morte de Lavoisier, tornou-se uma referência básica para o ensino e a pesquisa em química no final do século XVIII e início do XIX. Foi nesse contexto de consolidação da “nova química” — baseada na conservação da massa, na rejeição do flogisto* e numa nomenclatura racional — que Dalton teve acesso às ideias lavoisieranas.
John Dalton formou sua teoria atômica no início do século XIX (por volta de 1803–1808) apoiando-se em conceitos e dados experimentais herdados da química de Lavoisier, como a definição rigorosa de elemento químico e a abordagem quantitativa das reações. Assim, embora Dalton não tenha conhecido Lavoisier pessoalmente nem dependido exclusivamente da ação de Marie-Anne, o esforço dela em garantir a circulação, a clareza e a continuidade da obra do marido foi decisivo para que essa base teórica permanecesse disponível e influenciasse diretamente o desenvolvimento posterior da química moderna.
*A teoria do flogisto propunha que a combustão e a calcinação aconteciam pela liberação de um princípio material chamado flogisto, supostamente presente nos corpos combustíveis, mas essa explicação foi abandonada quando se demonstrou experimentalmente que esses fenômenos correspondem à reação das substâncias com o oxigênio do ar, frequentemente acompanhada de aumento de massa.
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