A história de Minas Gerais é inseparável de suas estradas coloniais. Quando se fala em Estrada Real, muitos imediatamente lembram os caminhos oficiais reconhecidos hoje pelo Instituto Estrada Real — o Caminho Velho, o Caminho Novo, o Caminho dos Diamantes e o Caminho do Sabarabuçu. Esses trajetos foram fundamentais para a circulação do ouro e dos diamantes entre as minas e os portos do Rio de Janeiro e Paraty, consolidando uma rede de controle fiscal e de vigilância da Coroa portuguesa.
Mas, paralelamente a esses caminhos oficiais, existia uma imensa malha de estradas secundárias, atalhos, trilhas e rotas alternativas utilizadas por tropas de mulas e gado, responsáveis pelo abastecimento das vilas mineradoras. É nesse contexto que surge a chamada Estrada dos Tropeiros, que cruzava a região de Sete Lagoas, conectando-a às áreas mais ativas da mineração.
A participação de Sete Lagoas no sistema de estradas coloniais
Embora não esteja no mapa oficial da Estrada Real, Sete Lagoas teve papel fundamental na engrenagem econômica e social do período. A cidade e seus arredores eram ricos em lagoas, pastagens e terras agricultáveis, o que a transformou em um importante polo de abastecimento para os centros mineradores. Enquanto Ouro Preto, Sabará e Diamantina dependiam quase exclusivamente da mineração, era em localidades como Sete Lagoas que se produziam os alimentos, o gado, os couros e outros insumos essenciais à vida cotidiana nas minas.
O tropeirismo foi a espinha dorsal dessa conexão. Tropas de mulas e boiadas seguiam em longas caravanas transportando:
- alimentos (milho, feijão, mandioca, rapadura);
- gado em pé e carne fresca para abastecer os arraiais;
- produtos derivados da pecuária, como couro e sebo;
- além de mercadorias vindas de fora, como tecidos, ferramentas, sal e aguardente.
Essas tropas seguiam em direção ao norte, conectando Sete Lagoas a Curvelo, Serro e Diamantina, onde se integravam ao Caminho dos Diamantes. Assim, mesmo não estando no traçado oficial, a cidade fazia parte de um circuito indispensável para a manutenção da vida mineradora.
As Gameleiras como marcos de viagem
Dentro de Sete Lagoas, a memória do tropeirismo está viva em pontos específicos. Um deles é o bairro rural de Gameleiras, cujo nome remete às antigas árvores que marcavam pousos de tropas. Mas talvez o símbolo mais marcante esteja dentro da própria cidade, próximo à Lagoa do Cercadinho.
Ali permanecem de pé duas enormes gameleiras (Ficus doliaria, gameleira branca), árvores centenárias de copa ampla, cujas raízes se entrelaçam com a história local. Esses exemplares não são apenas vegetação: eles funcionavam como marcos naturais e referenciais de viagem.
As tropas que saíam de Sete Lagoas rumo ao norte passavam por esse ponto, aproveitando a sombra generosa e a proximidade da lagoa para descansar antes de seguir viagem. Na prática, essas duas árvores eram o portal simbólico de saída da cidade pela Estrada dos Tropeiros, um verdadeiro testemunho vivo do movimento que ligava Sete Lagoas ao Caminho dos Diamantes e à vasta rede de circulação colonial.
Patrimônio vivo ameaçado
Essas duas gameleiras, localizadas logo abaixo da Lagoa do Cercadinho, são tombadas pelo patrimônio histórico, reconhecidas como parte da memória cultural da cidade. No entanto, apesar desse status de proteção, estão atualmente ameaçadas de corte pelo proprietário da área em que se encontram.
É uma contradição dolorosa: árvores que sobreviveram por séculos, testemunhando a passagem de tropeiros, viajantes e boiadas, hoje correm risco por interesses imediatos que ignoram seu valor simbólico e coletivo.
Mais do que árvores, elas representam a história de Sete Lagoas, a ligação com a Estrada dos Tropeiros e, por consequência, com o próprio processo de formação de Minas Gerais. Preservá-las não é apenas proteger o meio ambiente, mas também garantir a continuidade de uma memória que pertence a todos.
📌 Em tempos de urbanização acelerada e de apagamento da história local, as Gameleiras da Lagoa do Cercadinho nos lembram que a identidade de uma cidade se constrói também na preservação de seus símbolos. Cortá-las seria mais do que eliminar árvores centenárias: seria apagar um pedaço vivo da memória coletiva.
Ramon L.O. Junior
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