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segunda-feira, 14 de abril de 2025

"Desextinção" do Lobo Terrível???

Recentemente, a empresa americana Colossal Biosciences anunciou um feito inédito no campo da biotecnologia: o nascimento de três filhotes geneticamente modificados com características do extinto lobo-terrível (Aenocyon dirus), espécie que desapareceu há aproximadamente 10 mil anos. Os filhotes, batizados de Romulus, Remus e Khaleesi, não são clones diretos da espécie extinta, mas sim lobos-cinzentos modernos que passaram por um processo sofisticado de edição genética. A base desse avanço foi a utilização da técnica CRISPR-Cas9, uma ferramenta de edição gênica de altíssima precisão, que permite inserir, remover ou alterar trechos específicos do DNA.


A partir da análise de fósseis com até 72 mil anos, os pesquisadores conseguiram identificar fragmentos de DNA do lobo-terrível ainda preservados. Embora o genoma completo da espécie não esteja disponível — devido à degradação natural do material genético ao longo de milênios — os cientistas mapearam genes específicos associados a características fenotípicas do animal, como maior robustez corporal, estrutura craniana ampliada e uma pelagem mais densa, adaptada ao clima frio do Pleistoceno.

Com essas informações em mãos, foram editados 20 genes em embriões de lobos-cinzentos, utilizando o CRISPR para substituir sequências específicas por variantes encontradas nos fósseis do lobo-terrível. Após a edição, os embriões foram implantados em cadelas domésticas, que serviram como barrigas de aluguel para o desenvolvimento dos filhotes. O nascimento bem-sucedido dos três animais marca um avanço técnico importante na chamada "desextinção funcional" — quando o objetivo não é recriar uma cópia exata do organismo extinto, mas sim trazer de volta características ecológicas e genéticas relevantes da espécie original.

Apesar do entusiasmo da equipe envolvida, o projeto gerou diversas críticas dentro da comunidade científica. O paleogeneticista Dr. Nic Rawlence, da Universidade de Otago, por exemplo, destacou que o DNA disponível é altamente degradado, o que impede a clonagem total e precisa da espécie. Assim, os filhotes seriam, na prática, lobos-cinzentos com alterações genéticas inspiradas no lobo-terrível, e não representantes autênticos da espécie extinta. Ele argumenta que essa abordagem pode gerar confusão sobre o que significa "trazer uma espécie de volta", além de levantar questões éticas importantes.

Outras críticas se concentram nas implicações ecológicas e morais da desextinção. A reintrodução de animais extintos em ecossistemas modernos pode causar desequilíbrios imprevisíveis, principalmente se esses novos organismos forem liberados sem uma análise aprofundada das condições ambientais e da interação com espécies existentes. Também há preocupações quanto ao bem-estar dos animais gerados e aos riscos de aplicar tecnologias genéticas de forma prematura.

Por outro lado, defensores do projeto argumentam que essa tecnologia pode ser extremamente útil para a conservação de espécies ameaçadas de extinção. A Colossal Biosciences, por exemplo, já aplicou técnicas semelhantes para clonar lobos-vermelhos, visando aumentar a diversidade genética da população atual — um recurso valioso para evitar colapsos populacionais em espécies criticamente ameaçadas. Além disso, ao restaurar traços funcionais perdidos de espécies extintas, seria possível reequilibrar ecossistemas degradados, como o da tundra ártica, que poderiam se beneficiar do retorno de grandes predadores.

Em resumo, a tentativa de “ressuscitar” o lobo-terrível representa um marco na engenharia genética e na biotecnologia, mas também impõe desafios éticos, técnicos e ecológicos que ainda precisam ser amplamente debatidos. Mesmo que os animais criados não sejam verdadeiros lobos-terríveis, o projeto pode abrir caminho para futuras aplicações em conservação ambiental e para uma melhor compreensão sobre a evolução e a função ecológica de espécies extintas.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

DISBIOSE INTESTINAL E DISBIOSE EM OUTROS ÓRGÃOS

O corpo humano abriga trilhões de microrganismos que convivem em harmonia com nossas células, formando o que se chama de microbiota. Essa comunidade microbiana, antigamente chamada de flora intestinal, é especialmente abundante no trato gastrointestinal, particularmente no intestino grosso, onde o número de células bacterianas chega a superar o número de células humanas. Já o termo microbioma refere-se ao conjunto destes microrganismos e seus genes, sendo objeto de estudo crescente nas ciências da saúde devido à sua importância para o funcionamento do organismo.

A microbiota intestinal saudável desempenha diversas funções vitais. Ela atua na digestão de carboidratos complexos e fibras que não são digeridos pelas enzimas humanas, promovendo a produção de ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, que servem de energia para as células intestinais. Também está envolvida na síntese de vitaminas, como a K e algumas do complexo B, e tem papel fundamental na educação e modulação do sistema imunológico, ajudando o corpo a distinguir entre agentes patogênicos e substâncias inofensivas. Além disso, contribui para a proteção contra microrganismos invasores por meio de competição por nutrientes e espaço, além da produção de substâncias antimicrobianas.

Figura utilizada em uma questão do ENEM 2016 sobre o papel da microbiota intestinal na defesa do organismo contra patógenos.

Bactérias benéficas, como espécies dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, conhecidas como probióticos, ajudam a manter o equilíbrio da microbiota. Por outro lado, substâncias que favorecem o crescimento dessas bactérias boas são chamadas de prebióticos, geralmente fibras alimentares não digeríveis.

Esse delicado equilíbrio pode ser perturbado por vários fatores, levando ao que se chama de disbiose intestinal. Entre as causas mais frequentes estão o uso indiscriminado de antibióticos, que eliminam não apenas bactérias patogênicas, mas também as benéficas; dietas pobres em fibras e ricas em gorduras saturadas, açúcares e alimentos ultraprocessados; estresse psicológico, privação de sono, infecções gastrointestinais e doenças inflamatórias crônicas. O desequilíbrio pode resultar em uma diminuição da diversidade microbiana e proliferação de microrganismos oportunistas ou patogênicos.

As consequências da disbiose variam de sintomas leves, como gases, inchaço e constipação, até distúrbios mais graves, como síndrome do intestino irritável, doença de Crohn, obesidade, diabetes tipo 2, alergias e doenças autoimunes. Estudos recentes também associam alterações na microbiota a distúrbios neurológicos e psiquiátricos, como ansiedade, depressão e autismo, devido à interação entre o intestino e o sistema nervoso central, conhecida como eixo intestino-cérebro.

Um exemplo clínico de disbiose ocorre na giardíase, uma infecção causada pelo protozoário Giardia lamblia, geralmente adquirida por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados. A Giardia coloniza o intestino delgado e interfere na absorção de nutrientes, além de desencadear inflamações e alterações na mucosa intestinal. Durante a infecção, observa-se uma queda na diversidade bacteriana e na abundância de espécies benéficas, enquanto certas bactérias potencialmente nocivas podem se multiplicar. Essa disbiose induzida pela infecção pode persistir mesmo após o tratamento antiparasitário, contribuindo para a síndrome pós-infecção, com sintomas como fadiga, diarreia recorrente e desconforto abdominal.

A boa notícia é que, em muitos casos, a disbiose é reversível. Estratégias como a reintrodução de alimentos ricos em fibras, o uso adequado de probióticos e prebióticos, e a redução do estresse e do uso desnecessário de antibióticos ajudam na restauração da microbiota. Em situações específicas, como após infecções severas ou tratamentos prolongados, pode-se considerar intervenções mais avançadas, como o transplante de microbiota fecal, técnica experimental que visa restaurar a diversidade microbiana saudável.

Apesar de mais conhecida no contexto intestinal, a disbiose é um fenômeno que pode ocorrer em diferentes partes do corpo, sempre que há desequilíbrio na composição e na função da microbiota local. A pele, por exemplo, abriga uma microbiota que contribui para a defesa contra microrganismos patogênicos. Quando esse equilíbrio é rompido, pode haver desenvolvimento de condições como dermatite atópica, acne ou psoríase. No ambiente vaginal, uma microbiota dominada por Lactobacillus ajuda a manter o pH ácido e proteger contra infecções. A redução desses microrganismos benéficos pode favorecer o surgimento de vaginose bacteriana ou candidíase.

A boca também possui uma microbiota complexa, cujo desequilíbrio pode levar a cáries, gengivites e periodontites, enquanto os pulmões, hoje reconhecidos como não estéreis, apresentam microbiota cuja disbiose tem sido relacionada a asma, DPOC e infecções respiratórias crônicas. Até mesmo o trato urinário, historicamente considerado estéril, mostra sinais de que alterações em sua microbiota podem contribuir para infecções urinárias recorrentes e síndrome da bexiga dolorosa.

Assim, manter o equilíbrio da microbiota — seja no intestino ou em outros tecidos — é essencial não apenas para uma digestão eficiente, mas também para a manutenção da saúde geral, a prevenção de doenças infecciosas e inflamatórias e a recuperação de distúrbios sistêmicos. Estratégias como alimentação rica em fibras, uso criterioso de antibióticos, manejo do estresse e, quando necessário, a administração de probióticos e prebióticos podem auxiliar na restauração da eubiose, ou seja, do estado saudável e funcional da microbiota.

Ramon Lamar + ChatGPT