Recentemente, foi sancionada a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, tanto durante as aulas quanto nos intervalos.
Quem é professor sabe que celulares, fones de ouvido, smartwatches e outras tecnologias podem prejudicar o aprendizado. No entanto, essa questão tem múltiplas facetas que merecem uma análise mais aprofundada. Aqui estão alguns pontos a considerar:
- A dificuldade de fiscalizaçãoDe acordo com a lei, os alunos ainda poderão portar seus celulares (havia rumores de que os aparelhos seriam recolhidos na entrada e devolvidos na saída). Isso significa que os professores terão que dividir sua atenção entre ministrar aulas e fiscalizar o uso indevido dos dispositivos – algo que já acontece. Inclusive durante as provas! Há alunos que levam dois celulares: um para deixar sobre a mesa do professor e outro para usar escondido na hora da prova. E não é fake news – já presenciei e registrei casos assim.
- A ausência de penalidades clarasSe há uma lei, deve haver punição para quem a descumpre. Mas qual será essa penalidade? O celular será recolhido e devolvido apenas aos responsáveis? O aluno vai perder pontos (risos)? Haverá multa? O estudante perderá o direito ao Pé-de-Meia? Prisão em flagrante (risos)? A maioria das escolas já possui regras que restringem o uso de celulares em sala de aula, mas sem uma forma clara de aplicação, a nova lei pode ter pouca eficácia. "Tomar" um celular de aluno não será também uma maneira de estimular casos de violência contra o professor ou funcionário da escola, no momento ou em outra situação?
- O impacto na saúde mental e no comportamento dos alunosAs escolas e os professores estão preparados para lidar com a "síndrome de abstinência" que pode surgir? A família está preparada? A redução do uso do celular por cinco horas diárias pode levar a um consumo ainda mais exagerado em casa, estendendo-se pela madrugada. Muitos alunos que dormem em sala de aula ou apresentam extrema desatenção provavelmente passaram a noite interagindo no celular. O problema do vício digital precisa ser abordado de forma mais ampla, não apenas com a proibição no ambiente escolar.
- A polêmica sobre "doutrinação"Algumas pessoas defendem o uso do celular em sala de aula para que alunos gravem professores que supostamente fazem "doutrinação política". No entanto, esse argumento ignora a complexidade do ensino de temas históricos, científicos e sociais. Como um professor de História deve abordar o que aconteceu no Brasil em 1964 sem mencionar o AI-5 e as restrições às liberdades civis? Como um professor de Biologia pode explicar o funcionamento correto das vacinas contra a Covid-19 sem falar sobre avanços científicos e sem desmentir desinformações? Questões como sexo biológico, identidade de gênero e evolução também podem ser distorcidas fora de contexto para sustentar a narrativa de "doutrinação". Além disso, se há doutrinação de esquerda, há também de direita – basta observar escolas cívico-militares onde o 31 de março é "comemorado" e certas disciplinas são ensinadas sob uma ótica específica. A maioria dos professores, no entanto, só quer ensinar bem e ver o progresso dos alunos.
- A infraestrutura das escolas e o impacto pedagógicoNem todas as escolas oferecem alternativas adequadas ao uso do celular. Muitas carecem de laboratórios de informática e bibliotecas atualizadas. Além disso, algumas metodologias pedagógicas modernas utilizam a tecnologia para enriquecer o aprendizado. Como conciliar essa proibição com práticas educacionais que fazem uso de recursos digitais?
- O papel dos pais e responsáveisA restrição do uso de celulares na escola não significa que o problema do excesso de tela será resolvido. O que acontece em casa tem um peso ainda maior. Como garantir que a proibição escolar não leve a um consumo descontrolado fora dela? Como conscientizar as famílias sobre o uso equilibrado da tecnologia?
- A comunicação em casos de emergênciaMuitos pais se preocupam com a impossibilidade de contato direto com seus filhos durante o período escolar. Como será feita a comunicação em situações emergenciais? As escolas terão um canal eficiente para suprir essa necessidade? Não haverá um uso excessivo e mais interrupções durante as aulas?
- O celular como ferramenta de segurançaAlém de distrair, o celular também pode ser um instrumento de proteção. Em algumas regiões, alunos usam o aparelho para registrar casos de violência, bullying, assédio ou abuso dentro da escola. A lei permite o uso nesses casos, mas quais mecanismos práticos serão oferecidos para garantir que essas situações sejam denunciadas de forma segura?
Em resumo, a questão do uso de celulares nas escolas é complexa e exige uma abordagem que vá além da simples proibição. Para ser realmente eficaz, essa medida precisa vir acompanhada de soluções pedagógicas, apoio psicológico e infraestrutura adequada.
Ramon Lamar de Oliveira Junior
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