É provável que uma pequena parcela da população não concorde com a afirmação que "a arborização urbana é necessária". Sim, existem pessoas que só conseguem enxergar os problemas relacionados às árvores (queda de folhas, flores e frutos; queda de galhos; rachaduras em calçadas e tubulações de água e esgoto...). Não tiro totalmente a razão destas pessoas, mas convém lembrar que a opção por arborização não pode ser apenas a expressão do "arregace as mangas, vá lá e plante uma árvore". O caminho é um pouco mais complexo.
Vamos tentar colocar esse caminho de uma forma didática (sugestões nos comentários são bem vindas):
1) A escolha do local é determinante de tudo. Calçada, canteiro central, rotatória, praça e interior do lote (frente "jardim" ou fundos "quintal"), para cada local há espécies recomendáveis e espécies "proibidas" (entre aspas porque nesse caso dependerá muito de um esforço para conter os ímpetos de crescimento da espécie).
*** Calçadas: naquelas com menos de um metro e meio é praticamente inviável o plantio de árvores. Nesse limite, algumas arbustivas (se bem guiadas e erguidas) podem ter sucesso: hibisco, ipê-de-jardim, chorão-mexicano, extremosa, falsa murta, flamboyant-mirim, espirradeira e grevilha. A partir de um metro e meio já é possível pensar em árvores, mas levando também em consideração a existência de rede elétrica aérea ou subterrânea: quaresmeira, escumilha-africana, ligustro (alfeneiro), calistemo, eritrina verde-amarela, jasmim-manga e pata-de-vaca. Em calçadas mais largas, em especial sem rede elétrica, já é viável a presença de árvores que vão gerar mais sombra (e também mais cuidados em sua condução e manutenção): jacarandá-mimoso, magnólia amarela, acácia-chuva-de-ouro, árvore-da-China, cinamomo, espatódea, ipês (com muito cuidado em relação à poda e crescimento), eritrina-mulungu, oitizeiro, sabãozinho, triplaris (pau-de-formiga - lembrando que a floração da fêmea e do macho são bem distintas) e sibipiruna (de novo o alerta em relação à poda e crescimento).



Árvore da China, Grevilha e Chorão mexicano. (Cliquem nas imagens para ampliar)
*** Canteiros centrais: a largura do canteiro central também é importante e deve ser considerada como a tal calçada estreita, entretanto a vegetação não pode provocar distração no motorista e dificuldades para o pedestre (visibilidade). Lembrando que temos sugerido muito o uso de forração de grama-amendoim (
Arachis)
em especial para os canteiros onde não há trânsito de pessoas, devido à
sua facilidade de desenvolvimento e trato (não necessitando de podas
frequentes). Palmeiras de porte médio (licuri, por exemplo) e yucca seriam opções razoáveis. Pequenos arbustos ornamentais também têm sua vez como azaleias e ixoras. Em caso de árvore, a questão da boa poda de condução e levantamento da copa é fundamental. Frutos que possam cair e provocar acidentes, nem pensar (já vi mangueiras em canteiros centrais de rodovias... o bom senso passou longe). Outra questão relevante é sobre a necessidade de podas frequentes (custo excessivo e risco para os jardineiros).
Grama-amendoim (Arachis), hibisco e ixora. (Cliquem nas imagens para ampliar)
*** Rotatórias: mais uma vez a questão da visibilidade de todos e distração dos motoristas é fundamental. Palmeiras e plantas de padrão semelhante (
Cycas, por exemplo) nos parecem ser mais adequadas.
*** Praças: agora sim podemos pensar nas árvores de grande porte: tipuanas, paineiras, oitizeiros, pau-brasil, ipês diversos, canafístula, flamboyant, pau-ferro, cássia rosa (
Cassia javanica e
Cassia grandis), gameleira,
Ficus elastica,
Ficus benjamina, castanheira (sete copas), sapucaia e vai por aí afora. Óbvio que as árvores de médio e pequeno porte também podem e devem estar presentes, mas as praças são o local perfeito para as grandes espécies. Como sempre, o cuidado com a poda, condução, remoção de pragas deve ser uma constante e não um evento esporádico do tipo Copa do Mundo.
Cássia rosa, flamboyant (muito bonito mas plantado inadequadamente em calçada estreita) e sapucaia. (Cliquem nas imagens para ampliar)
*** Jardins das residências: tudo na dependência do afastamento frontal e também na presença de fiação aérea. Atualmente, opta-se por uma aparência mais limpa ("clean") dos jardins, mas isso não impede a presença de uma árvore de porte maior, como um ipê.
*** Quintais: agora o espaço em que podem ser usadas as frutíferas, mas sempre com muito cuidado em relação ao porte das árvores, áreas sujeitas a quedas dos frutos e proliferação de pragas. É importante lembrar ao cidadão que, na maioria das cidades, as árvores da sua calçada, do seu jardim ou do seu quintal não são "propriedade exclusiva" do dono da casa (
"- Eu que plantei, então é minha e faço o que quiser!"). Regras existem para podas e para supressões. Convém consultar a Secretaria do Meio Ambiente ou o outro órgão público relacionado com essas ações.
2) O solo e o clima são adequados? É muito comum que as pessoas vejam uma bela planta em uma cidade e depois tentem obtê-la também para seus espaços. "As pessoas", no caso, vão do cidadão comum ao prefeito. Entretanto, nem sempre o solo e as condições climáticas são favoráveis ao desenvolvimento da planta. Daí uma diretriz que, com muita dificuldade, estamos propondo e nos empenhando, que é o uso de espécies nativas. Muita dificuldade porque precisamos do esforço das Faculdades/Universidades/Centros de Pesquisa para que consigamos "domar" algumas espécies e oferecê-las como mudas viáveis e interessantes para o paisagismo urbano. Voltando à questão do solo, sempre é possível trabalhar-se na perspectiva de correção de seu pH e nutrientes, contando com a ajuda de um agrônomo. Já o clima...
3) Parasitas! Erva de passarinho e cipó chumbo são os dois maiores inimigos da floresta urbana. A primeira é verde (faz fotossíntese) e retira da planta os nutriente minerais (água e sais minerais ou "seiva bruta". Lentamente leva a hospedeira ao declínio e morte. A segunda é amarela, são fios amarelos desprovidos de clorofila (não faz fotossíntese) e retira os nutrientes orgânicos produzidos pela planta hospedeira (seiva elaborada). Esta conduz a hospedeira rapidamente à morte. A remoção dos parasitas é primordial e deve ser feita tão logo se perceba a instalação do mesmo. Além de matarem as plantas, os parasitas podem infectar duas ou mais árvores ao mesmo tempo (até de espécies diferentes) e transmitir doenças entre as mesmas (especialmente algumas viroses vegetais). Mas também há os insetos parasitas: pulgões, cigarrinhas, ácaros e cochonilhas, principalmente.
Erva de passarinho (sobre uma tipuana) e cipó chumbo (sobre um pingo de ouro). (Cliquem nas imagens para ampliar)
4) O preço (e o lucro) da opção pelo verde. Como relatado no início do
post, muitas pessoas só veem defeitos nas árvores. Na verdade, a disposição em varrer folhas caídas, podar adequadamente e preventivamente, prevenir-se da distância necessária para raízes e queda de frutos é uma decisão que deve ser tomada racionalmente, nunca emocionalmente.
"Eu quero a árvore pertinho da minha janela!" ou
"Pode ser próximo do muro de divisa com o vizinho, ele é legal e vai gostar! (até que um dia ele se mude e venha outro habitar a vizinhança)" são situações que precisam ser muito pensadas e poneradas. Até mesmo o plantio de árvores altas em calçadas estreitas é um convite aos "amigos do alheio" para subirem nos galhos, pularem seu belo muro alto e praticarem "sua profissão" à vontade (aliás o mesmo cuidado deve-se ter com aquelas cestas elevadas para colocação dos sacos de lixo). No entanto, o preço é barato frente ao benefício das árvores:
Na verdade, as imagens acima são apenas de valor simbólico. Dados científicos mostram o valor da arborização de forma fundamental na criação de um microclima com menor temperatura e maior umidade do ar. Não é apenas um ar condicionado (ou 10), mas um ar condicionado que umidifica o ambiente. Também as folhas retêm parte da água das chuvas diretamente e uma grande quantidade de poluentes particulados (especialmente em espécies como o oitizeiro que possui fibras sobre as folhas que agem dessa forma). Contribuem ainda como barreira contra a poluição sonora e visual.
Mas há pontos que devem ficar bastante claros: (1) não basta plantar mil mudas e não fazer a coisa da maneira certa (época adequada, uso de tutores fortes, solo adequado, irrigação...); (2) não basta o prefeito, vereador ou secretário de meio ambiente sonhar com uma cidade arborizada (
"embelezar a cidade!")e não contratar adequados serviços de poda, remoção de parasitas e varrição; (3) não basta a população querer a cidade arborizada e sequer arrancar o mato que cresce na guia de suas calçadas; (4) não basta colar um adesivo no carro, usar sacola reciclável, etanol em vez de gasolina, cantar músicas de louvor à natureza e esquivar-se de suas próprias responsabilidades.
Respeito ao meio ambiente equilibrado e sustentável não é modismo, é uma necessidade... quer você acredite ou não!
Texto e fotos: Ramon Lamar de Oliveira Junior